sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Águas profundas. Matérias superficiais

  
Lecionado Literatura, perguntei aos alunos a diferença entre realidade e ficção, e os que responderam disseram que a realidade mostra a verdade.

O Carnaval, que é uma festa da ficção, não tem nenhuma relação com a verdade, porque, segundo eles, Carnaval é desordem, ilusão.

Na linha desse raciocínio, o texto jornalístico, só ele e não o texto ficcional, revela a verdade porque o jornalista apresenta a realidade "como ela é".

Mas como pode a realidade mostrar a verdade se a realidade só é a superfície? A verdade está na e é a superfície? O que se apresenta a meus olhos é a verdade?

Não me alongarei sobre isso. Apenas afirmo que o texto jornalístico limita-se a registrar o que todos veem... todos veem o rio subindo (sim, "rio subindo" não está errado por se tratar de uma figura de linguagem).

Imagens e mais imagens, e o repórter escreve e fala daquilo que todos ouvem e veem, a palavra presa à realidade, à imagem. A palavra é literal, denotativa, isto é, "estado bruto". A palavra é matéria. A palavra é "ob-jetiva".

Nesse sentido, a imprensa escrita acriana, sem fazer uso da conotação, do jornalismo literário, nega o "sub-jetivo". Mas qual o sentido de "sub-jetivo"?

A palavra, em si mesma, em sua história e em sua relação com estéticas específicas (por exemplo, o Barroco, o Romantismo, o Simbolismo) é senhora de um sentido original. "Sub-jetivo" não é "dar a opinião particular". Se ignoramos o sentido primeiro, original, autêntico da palavra, não podemos pensar o pensamento.

Vejamos o seu oposto: "ob-jetivo". Em sua raiz, "aquilo que se põe à nossa frente, impedindo-nos a passagem, é o objeto", nos ensina Mário Eduardo Viaro.

"Ob-" significa "oposição"; e "-jetivo", "lançar". "Objetivo" tem o sentido de "lançamento obstruído, impedido". Mas o que foi "impedido de ser lançado"? O "sub-jetivo" não impede o lançamento, o movimento, o ir ao encontro.

Para responder, a palavra "objetivo" encontra-se na narrativa naturalista, realista; está trancada no quartel militar; marcha na parada do  Dia 7 de Setembro; estende-se no texto jornalístico.

"Ob-jetivo" não se encontra no Barroco, no Romantismo, no Simbolismo; não se encontra no Carnaval.

Se "algo" não foi lançado, não se "pro-jetou", não houve movimento, encontro, ou seja, prevalece o "distanciamento" em relação ao que se vê, por isso o jornalista não se envolve com a matéria, com a realidade.

Ele se envolveria se seu texto fosse "sub-jetivo". Por meio da tevê, podemos apreciar a "sub-jetividade" da jornalista Neide Duarte ou do jornalista esportivo Régis Roising , oposto ao texto objetivo de Léo Batista.

Mas o que é "sub-jetivo"? Essa palavra, mais, esse conceito, reside no Romantismo e, mais ainda, no Simbolismo. Vive em "A Hora da Estrela", de Clarice Lispector, narrativa oposta à objetividade de "Vidas Secas", de Graciliano Ramos.

Sim, mas o que é "sub-jetivo"?

"Sub-", para muitos, é "abaixo", mas o que está abaixo não significa "menor", "inferior"; o que está abaixo é "profundo", palavra que se encontra no dicionário latino. Dessa forma, uma vez profundo, nega-se a "superfície" do texto objetivo, a "superfície" da realidade. O "sub-jetivo" (des)cobre o que a realidade oculta, e oculta porque "obstrui" por meio da aparência. O narrador em Clarice é profundo; o de Graciliano, superfície.

No Acre, o jornalista limita-se a acompanhar a aferição do nível do rio. Tudo muito "objetivo". Tudo muito na superfície das águas.

Onde está a verdade dessa alagação?


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