sexta-feira, agosto 31, 2012

Nestes 100 anos de Nelson Rodrigues, uma tragédia

De Aldo Nascimento


         A um dono de uma locadora, perguntei certa vez quais gêneros mantêm pagos os impostos e os encargos sociais de sua empresa. Entre os filmes de ação (mais correto dizer violência) e os de terror, ele respondeu que o poder público arrecada mais com ela, a pornografia

         Assim, se Alexandre Frota é muito mais consumido do que os diretores Luís Fernando Carvalho (“Lavoura Arcaica”) e Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”), podemos afirmar, com a devida ironia, que a cultura pornográfica gera “riqueza”. 

         Mas saibamos com Nelson Rodrigues - e não com Alexandre Frota – que a pornografia, bem mais do que imagem, é ideia. Em Álbum de Família, não há uma cena explícita de sexo; a pornografia, no entanto, pulsa nessa peça trágica de Nelson Rodrigues como ideia oposta ao sagrado.   

         Sobre o móvel da sala, a aparência da família rica em um álbum. Jonas, 45 anos, o patriarca, é candidato ao Senado. Situada na década de 20 do século passado, a imagem da família é preservada pela fala da compostura, speaker, mas o teatro, artifício dionisíaco, nos liberta da aparência quando D. Senhorinha conta ao marido quem foi seu amante, o jornalista Teotônio. Jonas o mata. D. Senhorinha, entretanto, mentiu para ocultar a verdade. Seu amante, o verdadeiro e único, um garoto de 13 anos, ele, Nonô: seu filho.

         Por causa desse incesto, a cria de D. Senhoria cai em desgraça, passando o resto da vida nu ao redor da casa. Entregue a esse movimento rotatório, Nonô gira como se fosse um ciclo, mas, nesse espaço circundante, Nonô, criança despida, jamais nascerá, porque, sem perpetuar a espécie, sozinho, louco, ele representa a morte que ronda a família. 

          Tudo nesse texto de Nelson exala morte, próprio da tragédia. D. Senhorinha mata o esposo para viver com Nonô. Tamanha loucura não deixa de ser sepultamento. Edmundo, seu outro filho, a deseja, mas, quando descobre o incesto pela boca do pai, mata-se diante da mãe. Guilherme, filho mais velho, tem desejo carnal por Glória, caçula e lésbica. Mas, como a irmã deseja o pai, Guilherme a mata e se mata.

         Dessacralizado pela pornografia, o corpo familiar se reduz a objeto. Impera, aqui, a matéria. Jonas submete meninas pobres à sua devassidão animalesca. “São umas porcas e eu também”, delira diante da esposa. Onde a carne é senhora absoluta, onde o naturalismo se alastra, comparando o humano a animal, a vida se coisifica. Sem poesia, sem existência espiritualizada, sem transcendência, a violência é inevitável. Tudo se brutaliza. “Mas o pai tem o direito. O pai até se quiser pode estrangular, apertar assim o pescoço da filha!”, diz Jonas à esposa.

         Sem mais espaço nesta coluna, digo apenas que, embora tenha escrito essa peça em 1945, Nelson é atualíssimo, porque nunca a indústria do sexo gerou tanta “riqueza”. Ora, leitor, filmes como “Lavoura Arcaica” não empregam funcionários de locadora.   


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