Em
10 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará a prisão de condenados em
segunda instância. Indicados pelo PT ao Supremo, o desentendimento mais recente
entre os ministros Enrique Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso alude ao
HC-152752, onde, por questão de presunção de inocência, os advogados defendem a
liberdade de seu cliente até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória, quer dizer, ainda que o ex-presidente Lula tenha sido condenado
em segunda instância, ele deve permanecer em liberdade, até o STF reparar algum
erro de segunda instância e, com efeito, julgar de forma suprema.
Com
longas e preciosas argumentações que reverenciam o saber para fundamentar a liberdade, Ricardo Lewandowski defende a
presunção de inocência por existir, segundo ele, “uma barreira intransponível com
relação ao acolhimento da mutação constitucional, e essa barreira
intransponível é, exatamente, aquela que é constituída pelas cláusulas pétreas, e a nossa
Constituição, a Constituição de 88, definiu essas barreiras de forma muito explícita
no artigo 60, parágrafo 4º”, onde são assegurados “os direitos e as garantias
individuais”, equivalendo-se à outra cláusula pétrea, à do voto universal. Por causa dessa barreira, a liberdade, na
argumentação de Lewandowski, é “núcleo duro”, quer dizer, o sentido da
liberdade do homem permanece imóvel na mutável realidade. A liberdade é o que é,
ab-soluta, quer dizer, não se
movimenta em direção ao externo porque o que é ab-soluto não se movimenta,
permanecendo enclausurado nele mesmo, por isso pedra. Porque é relação a si-mesmo, sempre igual a ele mesmo (A=A),
o sentido de liberdade não se altera, é imóvel na realidade, que está em
constante movimento.
Irrefutável
para o ministro por sua natureza, a cláusula pétrea se opõe a um conceito
defendido pelo ministro Luís Roberto Barroso, ao de mutação constitucional. Em seu livro Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo (capítulo V), a mutação constitucional pressupõe a
superação, segundo Barroso, da “separação metodológica rígida entre o mundo do
Direito (o ser) e a realidade fática (o dever-ser), imposta pelo positivismo
jurídico”. Posto isso, podemos afirmar que a cláusula pétrea é o ser, a coisa em si-mesma; e a mutação
constitucional, o devir, o movimento;
e tais conceitos subjazem as argumentações sobre presunção de inocência, tendo, portanto, fundo filosófico a questão,
a partir de duas fontes pré-socráticas: Parmênides (o ser) e Heráclito (o
devir).
Lewandowski e Barroso encontram-se no campo da jurisprudência, e a jurisprudência, segundo Gilles Deleuze, “é filosofia do direito”, onde forças serão aplicadas na interpretação, onde a semântica “tenderá a”. Luís Roberto Barroso tende à modificação da Constituição por via informal, que se dá pela denominada mutação constitucional, “mecanismo que permite a transformação do sentido e do alcance de normas da Constituição, sem que se opere, no entanto, qualquer modificação de seu texto. A mutação está associada à plasticidade de que são dotadas inúmeras normas constitucionais”, escreve o ministro.
No
sentido plástico, quando se fala na
liberdade do homem, não se fala mais do homem universal, atemporal,
a-histórico, fora da realidade movente, mas de homens em condições sociais
diversas, no caso, do político corrupto, que sempre recorreu ao fórum
privilegiado; e do empresário riquíssimo, que sempre entrou com recursos sobre
recursos a fim de protelar a sentença no Supremo Tribunal Federal. Ora, se a
liberdade desses homens corruptos e ricos não se equivale à liberdade do ladrão
comum e pobre, a justiça precisa igualar tais liberdades para que ambas sejam
julgadas e condenadas em segunda instância, é o que defende a filosofia do
direito do ministro Barroso. Como ele mesmo escreve em seu livro, “o tema da
mutação constitucional tem o seu ambiente natural na fronteira em que o Direito
interage com a realidade”, ou ainda, em que o ser interage com o devir.
Artigo
de jornal não cobre a complexidade deste tema; porém, ainda assim, busquei, no
limite de linhas, destacar que “a filosofia do ser” liberta Lula até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória e que “a filosofia do devir” o
condena em segunda instância. Abril, 10: é o dia.
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