segunda-feira, outubro 13, 2008

O Cavaleiro Andante



Texto de Aldo Nascimento
Montagem de Gilberto Lobo

No início do século 17, em 1605, Miguel de Cervantes Saavedra publicou sua obra-prima, Dom Quixote de la Mancha, supõe-se que tenha escrito na prisão. Na primeira página, em seu primeiro parágrafo, leio que esse personagem é seco de carnes, enxuto de rosto e amigo da caça.

Em tempos hodiernos, o meu Dom Quixote também é seco de carnes, enxuto de rosto e amigo da caça, e sua arma, para pegar a presa, tem sido o sonho. Meu sonhador caça, há muitos anos, o voto para ser vereador de Rio Branco. No lugar do cavalo Rocinante, uma bicicleta. No lugar de Sancho Pança, Deus. No lugar de Dulcinéia, a vida.

Cabides sempre estiveram nas instituições
Neste ano, com 2.117 votos caçados, Manoel Waldir Teixeira de Souza foi um dos 14 escolhidos para trabalhar pouco e ganhar muito na Câmara de Vereadores de Rio Branco. Muitos, entretanto, manifestaram surpresa. Muitos. “Como pode tamanha criatura com 1m44 de altura representar a coisa pública?!”.

Confesso que a surpresa não chegou a mim, porque, há muitos anos, cabide sempre esteve na Assembléia Legislativa, na Câmara de Vereadores, no Poder Judiciário. Sim, sempre houve cabide de emprego. Agora, nada mais justo do que o verdadeiro Cabide ocupar seu espaço no erário para fazer justiça com as próprias eleições, digo, com as próprias mãos.

Políticos se enriquecem
No sítio
www.politicosdobrasil.com.br, acessamos o patrimônio de políticos acreanos que se multiplicou por dez no período de oito anos. Em nome do povo, da justiça social, enriquecem-se com o dinheiro público. Mas, se Cabide é povo, a justiça não veio para ele. Começará a vir em janeiro quando entrar na Casa Legislativa. “Não tenho minha casa ainda, moro com um amigo de infância”, disse o Dom Quixote acreano. Um de seus sonhos pessoais, este: construir sua casa. Cabide é o povo que não escolheu seu representante de esquerda ou populista, mas o povo escolhido ou que se escolheu para conseguir sua moradia, trabalhando muito pouco.

Vamos encher o Legislativo de Cabides?
Já pensou 14 Cabides eleitos nas próximas eleições municipais? Imagino a propaganda eleitoral: “Vote em mim, eu sou o povo, só quero ficar quatro anos na Câmara de Vereadores para construir minha casa, prometo meter a mão só no meu salário para comprar tijolos, pagar o cimento. Vote em mim, porque, nas próximas eleições, o sorteado poderá ser você, que é pobre igual a mim, igual a Cabide.”

Que voto de protesto?
Seria voto de protesto? Pela TV, não vi nenhuma pessoa ao lado de Cabide com rostinho de quem protesta contra alguma coisa. Assisti, isso sim, ao povão querendo tirar vantagem, por meio de Dom Quixote, da mufunfa que circula na Câmara de Vereadores. Muitos desejam ser assessores. Muitos querem se pendurar no Cabide. Não houve nenhum protesto, só risos, euforia.

Morreram-se as ideologias
Em uma época de pós-ideologia, quando João Amazonas (PC do B) senta-se à mesa com Roberto Campos (PP) por meio da Frente Popular, Márcio Batista (PC do B), pastor Jonas (PSB), Concita (PT) não convenceram os eleitores; porém, com sua fala de caipira, fala de quem fica à margem da gramática normativa, um pobre seco de carnes, enxuto de rosto, ele, Cabide, nos comove.

Espero que Dom Quixote não seja modelado pela formalidade, às vezes falsa, do poder institucionalizado como alguns da esquerda já foram. Ainda quero ver Cabide ir à Câmara de Vereadores com sua bicicleta. Ainda desejo ouvir seus discursos com uma LÍNGUA portuguesa que desobedece à norma gramatical. Que o poder formal não o deforme, não tire desse autêntico acreano quixotesco a verdade pura de ser humilde. Se Manoel Waldir Teixeira de Souza não for seduzido pelas aparências do poder, Cabide terá caçado mais um voto:) o meu.

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