segunda-feira, maio 25, 2009

Ventoforte que varre tolos, superficiais

Encontrei este texto na revista virtual Bacantes.

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Se o mundo fosse bom, o dono morava nele
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por Juliene Codognotto

Uma visitinha pro Ariano

Música, máscaras, bonecos, gente. Na peça Se o mundo fosse bom o dono morava nele, o Ventoforte pega emprestada uma história de Ariano Suassuna pra brincar de teatro com ela (desnecessário). E brinca mesmo.

Tudo que se vê no palco durante duas horas e meia de peça é uma grande brincadeira usical que tem a cara do grupo e, o mais importante, a cara dos “dias de hoje”. Ao adaptar A pena e a Lei, obra original de Suassuna, Ilo Krugli incluiu - além da música, das máscaras, dos bonecos, e do contato próximo com gente alegre já citados - um prólogo e um epílogo, que aproximam a narrativa nordestina de 1959 de questões que estão hoje em todo lugar.

Há personagens divertidíssimos nas três partes dessa história, e quem reina no universo de Suassuna é Benedito, um negro esperto que se dá bem usando sua inteligência. Não, não é João Grilo, não, é Benedito mesmo.

No entanto, apesar de o rapaz chamar a atenção com sua malandragem (e o intérprete com sua voz e expressão corporal), o Ventoforte está falando mesmo é do dono do “Mamulengo”, o Cheiroso, que administra - por assim dizer - um teatro de bonecos.

Não vou contar aqui as histórias de Suassuna, pois elas são divertidas justamente pelas surpresas que causam com as quebras de repetições - que lembram gags de palhaço. Vou contar uma história de prólogo e epílogo. Um história de visão crítica do mundo por meio da fantasia, que tem início com um cutucãozinho na TV.

Quando a peça começa, está sendo gravada uma minissérie da Rede Globo - O Auto da Compadecida, que também virou filme, lembra? - no fim da rua. Então, Cheiroso explica que na TV não tem ação, eles até gritam “ação!”, mas quando o sujeito age mesmo, mandam cortar.

Daí pra falar da questão financeira é um pulo, afinal, a estrutura e os aparatos técnicos que a Globo tem pra brincar com Suassuna nem se comparam aos do Ventoforte, que já chegou a interromper peça por conta da chuva.

Mas não é preciso detalhar as diferenças, há outros recursos cênicos pra evidenciar isso de forma simples: apagam-se as luzes. “Será que não pagamos a Eletropaulo?”, se pergunta o próprio Ilo Krugli, ainda na batina do padre Antônio, personagem do segundo episódio, mas agora no papel dele mesmo.

E então, sob luzes de emergência, o público é levado para um outro ambiente onde serão aproveitados os refletores que a Globo esqueceu no fim da rua pra suprir a falta de luz do Mamulengo.

No teceiro e último episódio, os personagens de Suassuna fazem o julgamento de Deus (ou de Jesus, ou do Espírito Santo, não tenho muita certeza. Fiz catecismo, mas sempre confundo os três), por sugestão de Benedito, e acabam julgando a vida e a continuidade dela. Eis que entra Ilo Krugli, para um epílogo.

“Essa cena é improvisada mesmo. Pode falar, pode perguntar”, ele diz. Ao fundo, os personagens de Ariano, expostos. À frente, Ilo, prometendo contar-nos o destino deles e revelando que a maior parte migrou pro sudeste e pro sul.

A participação de Ilo é tema à parte, já que, como disse o Fabrício, ele é a própria quebra da quarta parede. Está lá, presente, vivo, ao mesmo tempo que parece um bonequinho de corda. Aquele é o espaço do jogo, da diversão e não há textos ou “escrituras” que o impeçam de improvisar e confundir, de revirar as cenas e fazer com que os próprios atores parem para rir dele.

Há que se dizer que o jogo cênico fica meio embaralhado e as cenas parecem, muitas vezes, uma grande bagunça impossível de entender. Fora da lógica, fora da “arrumação” com que estamos acostumados. Mas tudo isso faz parte da brincadeira e, sobretudo, de uma postura profissional de não se levar a sério. Já na história, a vida continua, o Mamulengo continua, os bonecos se reproduzem… pra quê? Bem, aí já é sério e abstrato demais pra explicar.

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