segunda-feira, dezembro 02, 2013

O poder do conhecimento

         1.      ELE, O CONHECIMENTO INGLÊS

          De Aldo Tavares, eu

            Em 1890, o almirante americano Alfred Thayer Mahan publicou o livro A influência do poder marítimo na história, justificando o poderio bélico da Grã-Bretanha por causa de sua frota mercante. Na segunda metade do século 19, em 1873, um extraordinário desenvolvimento tecnológico determinou mais poder à marinha inglesa: o HMS Devastation era navio de guerra movido à propulsão, exclusivamente, a vapor. Com isso, garantiu-se também o domínio comercial nos mares.
            Mas onde encontrar a origem desse poder? No caso do HMS, a revolução da máquina a vapor se deu com os estudos do escocês James Watt (1736-1819), que pesquisou na Universidade de Birmingham, onde se formou a Sociedade Lunar. Antes de essa sociedade chegar ao fim, em 1813, outros ingleses criaram em 1799 a Royal Institution, de Londres, cujos membros tinham a função de divulgar o saber científico por meio de conferências e de cursos. Membro da Royal, Michael Faraday (1791-1867), químico-físico, foi considerado um dos cientistas mais influentes de seu tempo. Foi Faraday quem inventou em 1821 o motor elétrico e, em 1832, descobriu o princípio que permitiu a geração de corrente elétrica por meio de dínamos. Não nos esqueçamos de os estudos de Watt e de Faraday são consequências da 1ª Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, em 1760.  
            Após essa revolução, três períodos marcarma o conhecimento científico na Grã-Bretanha: 1765, 1799 e 1830, anos em que os estudos da química, da física, da botânica, da biologia, da matemática deixaram erguido, em 1902, o maior império do mundo. Das terras sob o domínio inglês no início do século 20, somente quatro colônias datam-se antes da Sociedade Lunar (Bahamas, 1648; Jamaica, 1655; Gilbratar, 1713; e Canadá, 1760), as outras 30 tiveram suas culturas fincadas pela bandeira inglesa depois de 1765. O domínio sobre povos foi consequência de estudos, de pesquisas, de conhecimento. Sem isso, sem a revolução de ideias, não teria emergido dos mares a supremacia naval inglesa.
Por causa também da Sociedade Lunar, o governo britânico então, na segunda metade do século 19, começou a se preocupar mais com a pesquisa e com o ensino científico, a ponto de profundas transformações educacionais terem sido fincadas nas escolas inglesas. O governo sabia que, sem educação, sem conhecimento, não haveria domínio. Poder.

    2.     
CONSEQUÊNCIAS DO CONHECIMENTO INGLÊS

            Com a supremacia bélica nos mares, a Inglaterra, senhora do comércio marítimo por causa do Iluminismo, edificou, por meio de seu capital, todo processo da reforma urbana do Rio de Janeiro, de Dom Pedro II ao prefeito Pereira Passos.
Em História econômica do Brasil, Caio Prado Júnior observa que a introdução da máquina a vapor na navegação marítima, consequência da 1ª Revolução Industrial, causou profunda transformação econômica no Brasil. Detalhes dessa transformação podem ser lidos no clássico livro Pereira Passos: um Haussmann Tropical, de Jaime Larry Benchimol, onde afirma que o transporte marítimo de carga e de passageiros também foi revolucionado pela energia a vapor, permitindo aos ingleses a ampliação do mercado mundial, em proveito, sobretudo, das exportações de produtos e de capitais ingleses. A Inglaterra, por causa dos estudos de James Watt e de outros nos séculos 18 e 19, conquistou o domínio quase exclusivo da navegação marítima brasileira tanto a  internacional como a de cabotagem (até 1889). A Royal Mail Steam Packet Company foi a primeira a estabelecer um serviço regular de vapores entre Inglaterra e o Brasil. Com esse domínio das companhias de navegação, Richard Graham o chamou de “complexo de importação e de exportação”. Esse complexo, controlado pelo capital britânico, incluía firmas de importação e de exportação, companhias de seguros, de portos, e bancos. Para reformar o porto do Rio de Janeiro, em 1851, dom Pedro II contratou o engenheiro inglês Charles Neate.
No processo histórico de reforma urbana do Rio de Janeiro, a Inglaterra encontrava-se presente no comércio marítimo, no capital financeiro, na produção industrial e, principalmente, no modo de pensar. Seu poder estava desde tubos no subsolo a vigas de ferro fundido da edificação mais alta. De esgoto a linhas de bonde, havia produto e capital ingleses. Para ter uma ideia do que isso representou em termos de investimento, o poder econômico britânico montava no Brasil a 90,6 milhões de libra em 1900, para um PIB estimado em 133 milhões de libra. Isso equivalia a 68% da riqueza aqui produzida em um ano. Muito? Em 1917, o capital britânico acumulado atingiu 223,8 milhões de libra, para um PIB estimado em 259 milhões de libra. Isso correspondia a 86% da riqueza nacional, ou seja, a mais absoluta dependência econômica brasileira.


        3.      ELE, O ANALFABETISMO NA REPÚBLICA VELHA

            Bem antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), já havia em 1870 um crescente número de estrangeiros no Rio de Janeiro, onde circulavam 235.381 habitantes, cabendo 192.002 pessoas a 11 paróquias urbanas e 43.379 a 8 paróquias rurais. Na zona urbana, residiam 154.649 livres e libertos e 36.352 escravos. Havia, portanto, 118.296 habitantes livres. Na zona rural, eram 30.640 livres e libertos e 13.739 escravos. Desses 185.289 livres e libertos, 120.372 eram nacionais e 64.917, estrangeiros (48.438 homens e 16.479 mulheres).   
Com o declínio econômico do Vale do Paraíba, ocorrido na segunda metade do século 19, germina-se, nos últimos 20 anos desse mesmo século, no Rio de Janeiro, centro financeiro do país e abundante de força de trabalho, o processo de industrialização. No Censo de 1890, são 52.520 trabalhadores em atividade industrial e, no Censo de 1906, passa-se a 115.779 na capital federal, com 811.443 habitantes ao todo. Desse total de trabalhadores no Rio de Janeiro, 51.562 (44,5%) eram estrangeiros e 64.217, brasileiros (55,5%).       
Enquanto a nação inglesa escrevia seu domínio nos negócios industriais do Brasil, 13.009.071 brasileiros em 1900 não sabiam ler e escrever seus nomes, sendo que a população do Brasil era na época de 17.438.434 habitantes (17,3% na área urbana e 82,7% na rural). Os dados da Diretoria Geral de Estatística, criada em 1871, indicam que esses números representam 74,6% de analfabetos, somente 4.429.362 sabiam ler e escrever, ou seja, 25,4%. Por esse e por outros motivos, as fábricas empregam um contingente maior de estrangeiros. Pior: até 1920, o Brasil apresentaria um sistema educacional estagnado, consequência de uma elite formada durante o Império, cuja ação, conforme Anísio Teixeira, continuaria nos primeiro trinta ou quarenta anos da República.
Se havia alguma unidade nacional no país de Rui Barbosa, ela não era constituída pela leitura ou pela escrita, mas por uma doença social endêmica: o analfabetismo. A Constituição de 1891, em seu artigo 35, determinara que o ensino primário ficasse a cargo dos estados e dos municípios, que também administravam parte da educação secundária. Essa descentralização foi consequência do Ato Adicional da Constituição de 1834. Segundo o Censo de 1920, José Murilo de Carvalho calculou em 180 mil o números de coronéis espalhados pelo Brasil. Sob o manto protetor desses senhores, havia pelo menos 84% da população, compostos por aqueles que moravam em municípios de 20 mil habitantes ou menos. O artigo 35 da Constituição de 1891, portanto, deixou a educação primária e secundária a cargo não de instituições com interesse público, mas do poder de mando dos senhores de terra, com interesse privado. Assim, os dados da educação primária não melhoraram com o passar dos anos. Em 1907, 16 anos depois da Constituição de 1891, havia 638 mil alunos matriculados no ensino primário ou cerca de 20% da população de cinco a nove anos existente naquele ano, estimada em 3,1 milhões de crianças. Somando as matrículas do primário e do secundário, chegava-se a 700 mil crianças e adolescentes ou só 12,5% da população de 5 a 14 anos de idade, estimada em 5,6 milhões de almas. Em 1920, 65% da população de 15 anos ou mais eram analfabetos, taxa que ultrapassava 70% nos estados do Nordeste e chegava a 80% no Maranhão e na Paraíba.
Por outro lado, descentralizada a educação pública por meio do artigo 35 da Constituição de 1891 - consequência da Constituição de 1824 -, alguns estados implementaram reformas educacionais: em 1920, Sampaio Dória, de São Paulo, empreendeu-a no ensino paulista; em 1922-23, Lourenço Filho a iniciou no Ceará; em 1922-26, no Rio de Janeiro, foi com Carneiro Leão; Em 1925, no Rio Grande do Norte, José Augusto; em 1927-28, no Paraná, Lysímaco da Costa iniciou a reforma; em 1928, em Pernambuco, outra vez Carneiro Leão; na Bahia, em 1927-28, Anísio Teixeira; e, em 1927-28, em Minas Gerais, Francisco Campos. Somente entre 29 e 36 anos após a Constituição de 1891, essas reformas surgiram na República Velha. 
    

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