sábado, abril 23, 2016

ORGASMO APÓS OS 60 ANOS



Ângela Vieira

Lembro-me ainda de minha avó aos 60 anos. Senhora de idade sem o aroma do erótico, ela era a imagem de quem não sentia mais desejo por nenhum homem - a não ser pelos netos -, mesmo porque não despertava mais nenhum.  Aparentando ter saído de algum conto de fadas de Charles Perroult (1628-1703), a minha Esther representava o modelo clássico da vovó: o da censura, o da moral rígida. Inimaginável ela falar de prazer, de sexo, de gozo. Depois dela, outras vovós vieram para ler contos clássicos de fadas; porém, diferentes de minha avó, elas agora encantam homens mais novos. Essas vovós ainda podem até cuidar dos netos; mas, na intimidade, são os homens os seus bebês. 


Se Esther representou para uma época o final de uma vida, a vovó do século 21 deseja intensamente viver o corpo e a mente por meio de encontros que a potencializem ou, como diria o filósofo Espinosa (1632-1677), deseja “encontros alegres”, porque, embora não possa evitar a morte, ela pode chegar aos 60 anos com uma vida para ser amada para além do quartinho do neto. Vovó quer ser devorada pelo lobo bom, e digo bom porque uma mulher sexagenária, uma vez bem madura, não vê só a boa aparência da “fruta”, mas deseja uma suculenta alma a fim de provar a essência. Uma mulher madura, quando madura mesmo, não quer o corpo pelo corpo, pois ela viveu muito para saber que inteligência, bondade, compreensão, ternura, preliminares, verdade, por exemplo, são ótimos para temperar a carne. Seu paladar é apuradíssimo. O sabor do gozo após os 60 anos assemelha-se ao divino, pois, afinal, ela, a vovó, é divã – deusa que deixa as mortais de 20 aninhos insossas.

Por isso e por muito mais, o orgasmo pós-60 anos jamais é vulgar, visto que o vulgar é fácil como é fácil destruir objetos, e a vovó soube muito bem preservar a idade-corpo e a idade-mente, não se deixando competir com uma adolescente. A vovó se reconhece como não adolescente, não engana sua idade; ela só preserva, na justa medida do tempo, o charme, a elegância, como se fosse brisa que preserva o sutil movimento. Mais: ela seduz porque também pulsa nela, em sua alma, o vigoroso tempo vivido das perdas, das alegrias, das derrotas, dos que se foram antes dela. Por causa disso, ela tem muito a dizer com a calma que o tempo exigiu dela. Nada em sua idade é apressado: chegar ao orgasmo e levar o outro a ele é movimento suave de que quem adquiriu sabedoria, mas também é explosão sexogenária de quem grita pela vida por causa de alegres encontros. Sexagenária era a minha avó. 


Os rígidos sentenciarão que essas vovós são imorais, mas eu pergunto, pergunto e pergunto: a rigidez é valor supremo para a vida? será a vida, a vida em si, rígida? se for rígida como declara a rigidez dos moralistas, por que a vida se renova? o que é rígido ou inflexível renova-se? a beleza da vida não será por causa de ela ser divino movimento, divina inconstância?     


As atrizes Eliane Glardini (64), Ângela Vieira (62) e Bruna Lombardi (62) - só para ofertar três sensuais exemplos -, caso sejam avós, devem contar estórias à noite para seus netos, mas essas vovós, que não são rígidas, vivem mais e mais quando seus “bebês” sorriem ao embalo de sussurros ou de gemidos ao pé do ouvido, à sombra daqueles que secam a vida com rigidez.

Aldo Bourdieu (língua.portuguesa@uol.com.br) é professor de Filosofia, de Sociologia, de Literatura, de Religião e de Língua Portuguesa.         


                   

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