sábado, março 31, 2012

Veio da Secretaria de Educação

Faz uns anos.


Ouvi de um professor (ou terá sido de uma professora?) da equipe de Língua Portuguesa da Secretaria de Educação do Acre que gramática só tem sentido se for no texto.

Quando parte de uma equipe da secretaria afirma isso, dissemina um grande equívoco nas escolas públicas. Melhor: um imenso erro.

Na escola Heloísa Mourão Marques, por exemplo, o estudo gramatical está deixando de existir, porque esse estudo realiza-se somente no texto - se é que se realiza.

Mais do que estudar substantivo ou orações adverbiais, o pensamento gramatical -  Protágoras, Platão, Aristóteles - é uma forma de organizar, por exemplo, as relações entre professor e aluno e até de administrar uma escola.

Não irei, no entanto, tão longe.

Pergunto:

em quantos textos os alunos registram o fenômeno da crase?

Nesses meus dez anos de Heloísa Mourão Marques, não me lembro de ter visto o acento agudo, indicador do fenômeno da crase.

Ora, formas variadas de escrever implicam formas variadas de expressar o pensamento. Minhas ideias ou meus conteúdos precisam de formas ou de significantes para haver variações, deslocamentos, expansões do meu raciocínio.

Quem leu bem "Estética da Criação Verbal", de Mikhail Bakhtin, sabe que significantes permitem a distensão do raciocínio.  

"Se me sirvo da língua" - e não "se uso a língua", como poeticamente escreve o sedutor  Merleau-Ponty -, falar ou escrever "à" não só expõe um conhecimento, mas esse significante (
"à") acolhe e amplia a ideia, o conteúdo, o raciocínio.

"Sim, então dê ao aluno textos para ele saber usar crase", diz o representante da secretaria.  

Muita abstração. Aplique a sugestão do representante na realidade.

Aplicou?

O professor deverá procurar durante um bom tempo textos e mais textos para o aluno entender, nos textos, as muitas variações do fenômeno da crase.

Possível?            

Oposto ao técnico da secretaria.

O professor, servindo-se do pensamento gramática, deverá retirar as partes do todo, ou seja, ele dará ao aluno uma relação de exercícios descontextualizada de como se servir do fenômeno da crase.

Ora, não é isso que Celso Pedro Luft registra em seu livro "Decifrando a crase", da editora Globo? Ele não explica crase nos textos. Ele explica por meio de frases-oracionais isoladas; Celso, contudo - aí é muito interessante -, constrói textos para explicar.  

Hoje, no Acre, por causa da banalização das palavras "produção textual" e "leitura", não se estuda gramática fora do texto, exemplo, repito: Celso Pedro Luft usa frase isoladas e, por causa delas, constrói texto para explicá-las.

O pensamento gramatical retira do todo (o texto) a parte para ser estuda em si mesma. Lecionada essa prática, deve-se, evidente, em outro momento, alterar construções sintáticas dos alunos para eles se servirem do fenômeno da crase.

"Aqui, nesta parte, você pode retirar este verbo e, no lugar dele, colocar outro - pesquise no dicionário - que possibilite com sua regência a preposição 'a'. Repare, após o verbo com a preposição 
'a', existe um substantivo feminino, existe o artigo 'a'. Neste caso, se você encontrar o verbo adequado, realizar-se-á a crase, ou seja, a contração entre preposição e artigo", explica o professor ao aluno na aula de reconstrução textual.

Como se trata de um exemplo importante para todos, o professor escreve na lousa.



Assim, o aluno poderá escrever uma frase-oracional mais elaborada porque, na aula de gramática pela gramática, o aluno aprendeu por meio de exercícios separados do texto.

Na escola Heloísa Mourão Marques, o aluno não estuda gramática à parte do texto.

Tudo bem, tudo bem, nos próximos anos, o governo federal apresentará um currículo nacional, onde o aluno deverá estudar gramática.

Como alguns colegas de profissão são incapazes do milagre da antecipação, em um futuro bem próximo, eles farão o que o "tio mandar", no caso, o Ministério da Educação.

Só para concluir: assim como existe o cálculo  matemático ou a continha à parte de uma equação de 2º grau a ser resolvida (o todo), assim também existe a gramática à parte do texto. Um não anula o outro.

Os dois métodos completam-se: gramática à parte e gramática no texto.   
  

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